4. Desilusões

A trajetória de qualquer cidadão, assim como, suas conquistas ao longo da vida, não são pautadas só por momentos de glória e alegria. Há momentos de decepção, tristeza e desilusões. É comum, na história das sociedades, ataques promovidos para denegrir ou colocar em xeque a credibilidade e a honra de indivíduos que contribuíram para as transformações e o bem-estar geral da própria comunidade. É o caso de Galileu Galilei, Jean-Jacques Rousseau, Charles Darwin, Nikola Tesla, Louis Pasteur, Beethoven e outros vultos históricos cujas  contribuições foram subestimadas antes que pudessem conquistar o merecido reconhecimento.

 

No caso do clã Tourinho a trajetória de suas conquistas não poderia ser diferente. Houve momentos de desilusão quando cobranças apócrifas, queixumes descomedidos e maquinações injustas irromperam os limites do bom senso e da razão. Porém, estes fatos não conseguiram abater a fé, a esperança e nem diminuir o ânimo de uma geração pautada pela honestidade, dignidade, trabalho árduo e respeito à coisa pública. Exemplos:

 

Pero do Campo Tourinho, donatário da Capitania de Porto Seguro (1535), nobre senhor de armas e brasões, vendeu tudo o que possuía em Viana do Castelo. Mudou-se para o Brasil com a família, seiscentos minhotos, madeirenses, clérigos, lavradores e homens letrados dispostos a trabalhar e fazer fortuna. Em Porto Seguro, onde viveu por 11 anos, Pero do Campo Tourinho fundou paróquias, construiu engenhos, vilas, moinhos e fortalezas. No Brasil colonial, o clero foi o seu maior obstáculo no trabalho de desbravar as terras do sertão. Era dia santo em cima de dia santo promovendo o culto ao ócio e a vagabundagem levando a queda de produção e altos prejuízos às finanças da Capitania. Quando o padre Bernardo de Aureajac decretou como feriado o dia de São Martinho, um santo francês, Pero Tourinho ensandeceu. Não concordou com a “nova-ordem”. Foi o primeiro a rebelar-se contra a estatização da vadiagem. Opôs-se de maneira firme e terminante, observando e respeitando, tão somente, os dias santos determinados pela Santa Sé. Preso e posto a ferros (sobre o pretexto de herege e sacrilégio), foi embarcado para Lisboa e julgado pelo Tribunal da Santa Inquisição. Absolvido, foi obrigado a ressarcir os custos da Inquisição e proibido de voltar ao Brasil. Morreu em Lisboa (1556) na miséria, ruína, abandono e despido de qualquer honraria.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho conviveu desde menino com a Faculdade de Engenharia, da Universidade do Paraná, quando acompanhava seu Pai no recolhimento das provas de Astronomia que aconteciam às 10 horas da noite. Matriculou-se na Faculdade de Engenharia em 1934 e recebeu o grau de Engenheiro Civil em 1938. Serviu como docente-livre, catedrático interino, professor titular e chefe de Departamento da Universidade Federal do Paraná onde dedicou grande parte da sua vida com muito amor e dedicação (1949-1988) nas cadeiras de Estatística Matemática Economia Política e Finanças do Paraná, Engenharia de Transportes e Economia de Engenharia. Em 1973, exercendo interinamente a diretoria da Escola de Engenharia, encabeçou, por unanimidade, a lista sêxtupla para a nomeação de Reitor da Universidade Federal do Paraná no quatriênio de 1974 a 1978 (função que já havia exercido, em caráter temporário, no período de 1971 a 1972, por ser o mais antigo membro da Congregação). Aconteceram, porém, dois fatos relevantes que levaram seu nome a ser retaliado nas altas esferas ministeriais. Primeiro, como membro do Conselho Universitário, na qualidade de diretor da Escola de Engenharia, Luiz Carlos Pereira Tourinho votou contra a aprovação das contas do Reitor, eivadas de imoralidades, como consta da Ata existente nos arquivos da Universidade Federal do Paraná. Por adotar postura íntegra e honesta, passou a ser “bombardeado” junto ao Ministro da Educação, pelos quadros que se sentiram injustiçados no meio acadêmico. Segundo, ao deixar o cargo de interventor do IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária), em 1968, entregou relatório alertando ao chefe do SNI (Serviço Nacional de Inteligência) que a corrupção corria solta, nas “barbas” do SNI, instituto criado pelo próprio regime militar (1964-1985). O chefe do SNI, na época o general Emílio Garrastazu Médici, que se tornou presidente do Brasil em 1969, não gostou. Como consequência, Luiz Carlos Pereira Tourinho sofreu as represálias do governo militar. Quando chegou ao seu conhecimento, em 1973, que o nome de Luiz Carlos Pereira Tourinho, encabeçava a lista sêxtupla para o cargo de reitor (lista elaborada pela Congregação da Faculdade de Engenharia do Paraná), o Presidente Médici o vetou. No lugar de Luiz Carlos Pereira Tourinho, o governo Militar nomeou o professor Riad Salamuni para reitor. Ao deixar a Universidade Federal do Paraná, em 1988, a maior tristeza do professor Tourinho não foi o insucesso dos embates político-administrativos, mas ter que deixar o convívio da escola de engenharia e alunos:

“Hoje o corpo docente é constituído por meninos que foram meus alunos. Sou, portanto, o último dos moicanos. Confesso· lhe: tenho dó de deixar ir a minha escola e os meus alunos”

Plínio (seu pai) e Mário Alves Monteiro Tourinho (seu tio) enfrentaram, no exercício de suas funções, tormentas semelhantes como mostram as narrativas a seguir:

 

Plínio Alves Monteiro Tourinho, chefe do movimento revolucionário de 1930 no Paraná foi, na expressão do Comandante Supremo, Getúlio Vargas, o líder responsável por “abrir as portas da vitória” para que as forças revolucionárias pudessem prosseguir e ocupar a Capital Federal no Rio de Janeiro. O Paraná era considerado um território estratégico e de importância vital para impedir que as tropas federalistas, vindas de São Paulo, impedissem o avanço do movimento revolucionário que prosseguia do sul do país. Território tampão entre os estados de São Paulo e o Rio Grande do Sul, tivesse o Paraná assumido atitude francamente legalista, tomando a iniciativa de destruir as pontes ferroviárias e rodoviárias sobre os rios Uruguai, Iguaçu, Negro e outros menores, por certo retardaria a progressão das tropas gaúchas e permitiria ao governo central reforçar sua posição defensiva tendo no comando de operações o poderoso estado de São Paulo. No entanto, o Paraná, sob o comando do major Plínio Tourinho, levantou-se como uma nação contra o governo central. As guarnições paranaenses atuaram em duas frentes de batalha contra as forças federalistas que tentavam isolar o Rio Grande do Sul: a frente de batalha do lado Catarinense (nas cidades de Florianópolis, São Francisco e Joinville) e a frente de batalha do lado Paulista (na região de Castro, Capela da Ribeira, Itararé e caminho do Varadouro). Foram 20 dias de revolução de uma verdadeira apoteose para o povo paranaense. As tropas gaúchas que vinham do sul chegaram ao Paraná em péssimas condições no momento que as guarnições paranaenses já conquistavam frentes de batalha estratégicas para o movimento revolucionário. Os combates mais violentos ocorreram em reduto próximo a Itararé com intensas rajadas de tiros trocadas entre a artilharia dos revolucionários e as armas automáticas dos federalistas.

Soldados entrincheirados na fronteira das cidades de Itararé (São Paulo) e a cidade de Sengés (Paraná).
Soldados entrincheirados na fronteira das cidades de Itararé (São Paulo) e a cidade de Sengés (Paraná).

Nessa região, o combate se desencadeou numa frente de 4 km por um período de 14 horas. Eram 2.400 homens do exército federalista fazendo frente a 4.200 da revolução. Tinham os federalistas ao seu favor 12 canhões contra 8 do adversário. A proporção de armas automáticas era de 1 para 3 homens nas tropas federalistas contra 1 para 15 nas tropas revolucionárias. O Capitão João Gualberto, da 2ª Cia do 15º BC, sob o comando do General Miguel Costa, em penosa operação militar, envolveu o inimigo entrincheirado na fazenda de Morungava que, ao desbordá-lo, imediatamente abandonou a posição de combate que foi ocupada, em seguida, pelas tropas revolucionárias paranaenses (13º RI e 15º BC). Logo surgem as primeiras baixas (capitão Isaltino Pinho, Alfredo Bufren e Dal´Stella) e mortes que até hoje ninguém computou. Nas demais frentes as forças revolucionárias não encontraram resistência e as tropas federalistas renderam-se sem impor reação. Plínio Tourinho, recebido por Getúlio Vargas sobre os brados de “BRAVO”, foi comissionado ao posto de General-de-Brigada e comandante da 5ª Região Militar. Terminado o movimento, Plínio Tourinho voltou ao posto de major. No poder, Getúlio Vargas acabou traindo os ideais revolucionários. Em 1932, Plínio Tourinho estaria contra Getúlio Vargas. Foi deputado à Constituinte de 1933 e deputado federal de 1934 a 1937 pela oposição. Em 1937, foi contra o Golpe Branco imposto por Getúlio e seus aliados. Não concordou quando Getúlio fechou a Câmara e o Senado, acabou com os partidos políticos, cassou o direito de voto dos brasileiros e, acima de tudo, outorgou ao povo brasileiro uma Constituição nos moldes fascista (a constituição “polaca“).  Até o final da década de 50, vários oficiais militares haviam sido promovidos ao generalato por Getúlio. O Paraná, após ter aberto as portas da 2ª República ou República de Getúlio Vargas foi, literalmente, abandonado por Getúlio. Plínio Tourinho foi reformado sem receber a honra e o reconhecimento militar que Getúlio concedeu a tantos outros militares.

 

Mário Alves Monteiro Tourinho, teve um papel crítico no movimento revolucionário de 1930 no Paraná. Assumiu toda a responsabilidade do governo do estado num momento vulnerável quando não se sabia para que lado penderia a vitória do movimento no resto do Brasil. Foi, em seguida, nomeado Interventor Federal pela administração do Presidente Getúlio Vargas. Durante seu curto período de governo realizou estudos para a recuperação financeira do Estado, promoveu sindicâncias sob critérios apolíticos, apurou responsabilidades sem intenções preconcebidas e anulou concessões de serviços públicos mediante acordos amigáveis. Em um ano, sem alarde e propaganda, Mário Tourinho saneou o orçamento estadual cujas finanças foram deixadas em ruínas pelo ex-presidente, Afonso Camargo, que abandonou o cargo em outubro de 1930 com a eclosão do movimento revolucionário ao qual não aderiu. Inflexível no trato da coisa pública, viu-se sob um turbilhão de intrigas ao tentar colocar em equilíbrio as contas públicas do Paraná. General forjado no sentimento do estrito cumprimento do dever, por duas vezes se opôs à vontade do Presidente Getúlio Vargas. Não concordou com o desmembramento do Paraná para formar o Território do Iguaçu e, tampouco, com a proibição do plantio de café na região conhecida como Norte Pioneiro. Seu estilo de governo acabou por desencadear o descontentamento dos revolucionários que desestabilizaram o seu governo. Por ser brioso e justo, não possuía o chamado “jogo de cintura” para aparar arestas ou satisfazer ambições inconsequentes. Sem o apoio dos segmentos partidários e dos quartéis, abandonado deliberadamente por Getúlio Vargas, viu-se desamparado e obrigado a renunciar ao cargo no dia 29 de dezembro de 1931.